Multiplicam-se os artigos, debates e fóruns sobre Inteligência Artificial (IA). Anda meio mundo, sobretudo os que veem nela uma oportunidade para multiplicarem os seus lucros, fascinado e rendido a este suposto “deus” da tecnologia que parece ser solução para todos os nossos males. A verdade é que, em nome de uma evolução tecnológica, continuamos a criar necessidades fictícias para satisfazer o ego de alguns em vez de pensarmos na sua aplicação no desenvolvimento do bem-comum.
Há aspetos sobre os quais devemos focar a nossa atenção e sobre os quais importa refletir, uma vez que têm implicações dramáticas na definição do futuro coletivo da nossa Casa Comum. A relação entre Inteligência Artificial e Sustentabilidade do planeta é um aspeto fundamental. Não se pode continuar a pensar as sociedades em termos de um progresso contínuo que requer um nível crescente de energia em vez de se procurar um desenvolvimento equilibrado e uma economia que se preocupe com as pessoas e as crescentes desigualdades.
No caso da Inteligência Artificial, pode-se elencar, logo à partida, três necessidades que são altamente lesivas para o planeta e que podem colocar em causa a sua sustentabilidade num futuro não tão longínquo como às vezes somos levados a pensar. A necessidade de grandes quantidades de energia, de água e de metais raros deveriam levar-nos a todos nós a uma séria ponderação e a fazer um balanço muito claro entre as vantagens e desvantagens que estão no prato da balança. Isso significaria que talvez devêssemos prescindir de alguns avanços da IA em favor de uma maior sustentabilidade do planeta. Confundir desenvolvimento com um multiplicar de necessidades induzidas, a maioria inúteis, desviando-nos do essencial é trilhar o caminho de um progresso que nos levará inevitavelmente ao fim.
A Microsoft anunciou há uns meses que teria de se ligar diretamente à unidade número 1 do reator nuclear de Three Mile Island para garantir o seu fornecimento de energia. A empresa norte-americana, Constellation, que gere essa central vai investir, no âmbito de um contrato de aluguer de vinte anos,1,6 mil milhões de euros para reiniciar este reator, que estava desativado desde 2019.
O acordo visa "ajudar a compensar a energia utilizada pelos seus centros de dados com energia livre de carbono". De 2020 a 2023, a empresa viu as suas emissões de gases com efeito de estufa aumentarem 29%, uma trajetória que compromete a meta de neutralidade carbónica da Microsoft para 2030.
Face às gigantescas necessidades energéticas, que explodiram com o desenvolvimento da cloud na década de 2010 e, mais recentemente, da IA, a Gafam (acrónimo de gigantes da Web, Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft) está a interessar-se muito pela energia nuclear para diminuir a sua pegada de carbono.
“Focar nas emissões de gases com efeito de estufa como o único indicador do impacto ecológico da tecnologia digital, como faz a Gafam, é pura lavagem verde. "Precisamos de ter em conta todo o ciclo de vida, desde a extração dos metais até ao betão utilizado para construir o data center", afirma Frédéric Bordage, fundador da GreenIT, um coletivo de especialistas em sobriedade digital.
Esta é uma das maiores contradições e incoerências deste nosso progresso: diminuímos por um lado os combustíveis fósseis, mas por outro esventramos e empobrecemos o planeta. Como podemos nós continuar a pensar que, habitando um planeta com recursos finitos, podemos continuar a crescer rumo ao “infinito”?
Na China, o maior produtor mundial de silício, a mineração tem um custo ecológico significativo. Para além de utilizar muita energia de carbono durante a refinação – a matriz energética chinesa depende atualmente do carvão – a exploração das minas de silício requer a utilização de cloro, ácidos e vários solventes que contaminam o ar, a água e o solo, colocando em risco os funcionários e habitantes das regiões mineiras de Xinjiang.
“O crescimento exponencial da utilização de inteligência artificial está também a levar a indústria de semicondutores – que consome muita água – à capacidade máxima. A fabricante taiwanesa TSMC, que domina mais de metade do mercado global de chips e viu a sua receita aumentar 60% num ano graças à IA em 2024, utiliza 156.000 toneladas de água por dia para lavar silício, mais de 10% do consumo total de água da ilha.”
(Alternatives Économiques, fevereiro 2025)
“Desde a extração de metais ao consumo de eletricidade dos centros de dados, o ciclo de vida dos supercomputadores tem um impacto ecológico muito significativo. Neste momento, a Gafam e o resto da indústria estão a olhar para o outro lado”, comenta Pierre Monget, director de programas da Hub France IA, uma associação profissional que reúne empresas francesas do sector.
Este é um debate que temos o dever, talvez a obrigatoriedade, de promover em nome do futuro, ou seja, em nome da sustentabilidade do nosso planeta e do legado que deixaremos a outros. Sendo os recursos escassos, devemos reservar a IA para usos prioritários, essenciais ao bem-estar das populações.
É também nossa responsabilidade não deixar que alguns, em nome dos seus interesses, esventrem o planeta, explorem pessoas, nomeadamente crianças, na mineração e esgotem os recursos do planeta em proveito próprio.
Vivemos um tempo da história da humanidade em que a complexidade dos problemas que enfrentamos exige grande ponderação, coragem e, sobretudo, capacidade para decidir na defesa do bem comum, nomeadamente em nome do futuro daqueles que virão depois de nós. Há que fazer escolhas e impedir que os interesses das grandes empresas tecnológicas se sobreponham, mais uma vez, ao bem-comum.
Um artigo mais extenso foi publicado no jornal digital 7MARGENS no dia 27 de março de 2025.