Decrescimento: conceito e sua aplicação, do bairro ao território
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Decrescimento: conceito e sua aplicação, do bairro ao território

Procurando perceber como gerir o território numa perspectiva decrescentista, surge este artigo de Jorge Farelo (arquitecto e membro da RD) e de Rita Castel' Branco (arquitecta e urbanista), publicado no #18 da Revista Intelcities, de Jan/Abr 2025, dedicada ao tema "Transformando o território"

DECRESCIMENTO 

O conceito de Decrescimento surgiu na década de 1970, quando o Relatório Meadows, “The Limits to Growth”, veio questionar a lógica do crescimento eterno e suas consequências. A publicação deu início a uma ampla discussão entre numerosos intelectuais da época, tendo a ideia acabado por sedimentar-se graças aos contributos do filósofo social André Gorz, entre outros. Com a expansão do neoliberalismo nas décadas de 1980 e 1990, as discussões foram abandonadas, por se oporem à lógica dominante e serem, naturalmente inconvenientes para a mesma. 

Porém, face à acelerada degradação dos recursos naturais, o conceito voltaria a surgir, tornando-se a palavra inglesa “degrowth” proeminente após a primeira conferência internacional do Decrescimento em Paris, em 2008. Desde então, consta na escrita académica e nos mídia, e é usado por movimentos sociais e profissionais.

Podendo remeter para conotações negativas, a palavra Decrescimento é problemática, dando origem a mal-entendidos. Mas a origem do termo é tudo menos negativa: este existe nas línguas latinas, onde “la décroissance” em francês ou “la decrescita” em italiano se referem a um rio voltando ao seu fluxo normal após uma inundação desastrosa.

Opondo-se a uma ideia de crescimento infinito que, no que toca à economia, nos habituámos a tomar por certo, o termo Decrescimento critica o estado global do mundo, notando que o crescimento a todo custo está na base da crise ecológica que enfrentamos. Consequentemente, advoga que persistir no actual modelo- de constante extração, produção, consumo e descarte - não pode, de forma alguma, ser sustentável.

Embora polémico, o Decrescimento defende algo evidente e, em bom rigor, do mais liminar bom senso: a necessidade de criar um sistema que propicie uma maior esperança e qualidade de vida, a qual só pode ser assegurada em ambientes mais limpos e resilientes, que respeitem os limites do planeta em que habitamos.

Tal exige que tenhamos em consideração a biodiversidade e que persigamos modos de produção seguros e recompensadores para quem neles trabalha. E pressupõe uma res- trição nos consumos, e, consequentemente, o uso de menos recursos financeiros, me- nos matérias-primas e menos energia. A par com estes pressupostos, o Decrescimento propõe o aprofundamento dos valores comuns em direcção ao cuidado, solidariedade, autonomia e liberdade, visando uma redistribuição radical dos recursos dispo- níveis. Esta lógica implica que se pense a médio/longo prazo e não no lucro imediato, como tende a ser hoje a regra; e pressupõe uma maior participação política de todos os cidadãos, já que se sabe que só uma melhor distribuição do poder pode garantir uma maior distribuição da riqueza.

 

O DECRESCIMENTO APLICADO À CIDADE E AO TERRITÓRIO 

Em “A cidade através da história”, livro publicado em 1961, o urbanista Lewis Mumford, procura uma trajetória alternativa ao culto da expansão infinita das urbes. Indaga também sobre os métodos de produção industrial, defendendo um retorno aos métodos de pequena escala, que repousam nas habilidades do homem e suas artes. Mumford questiona a utilização da energia e dos recursos naturais, o crescimento quantitativo como prática, e as  dimensões inumanas assentes no domínio da máquina e tecnologia. Seguindo esta perspectiva, no que refere à cidade e ao território, o Decrescimento defende:

- Cidades continuas e multifuncionais, que, contrariando o zonamento funcional, possibilitem às pessoas viver perto do local onde trabalham, dispensando o uso quotidiano do automóvel e a exclusão de quem não tem acesso ao mesmo. 

-   A contenção dos perímetros urbanos, por forma a evitar a dispersão e a artificialização de solos rústicos. Para além de ser condição para a densidade e continuidade urbana, esta ideia segue o compromisso internacional assumido pelo país para que a artificialização do solo seja igual a zero em 2050 (actualmente, o ritmo médio em Portugal corresponde à impermeabilização de quase sete campos de futebol por dia).

- O fim da urbanização em mancha de óleo, a qual se traduz em infra-estruturas pouco optimizadas, em maiores distâncias quotidianas e na impossibilidade de garantir um sistema de transportes eficiente, saudável e sustentável - o que se traduz na maior dependência automóvel, em mais emissões de CO2 e em despesas acrescidas para o Estado e para as famílias.

- O mínimo de construção necessária, devendo o foco ser posto na requalificação, no melhor aproveitamento da habitação existente e na melhoria da habitação pública, através de projetos que respondam simultaneamente ao combate à pobreza energética e ao reajuste das tipologias de fogo. 

- A requalificação do espaço público, garantindo a articulação entre os bairros periféricos e a cidade consolidada e alguma renaturalização das ruas (a exemplo do que Paris está a fazer).

Em síntese, usar o que já existe, apostando-se na economia circular, é a estratégia de decrescimento mais eficaz.

No que refere à habitação, esta lógica opõe-se à resposta historicamente dominante, a qual sistematicamente aposta em nova construção, mesmo quando é evidente que não existe falta de fogos nos aglomerados onde as pessoas querem habitar; e se sabe que a dificuldade de acesso à habitação pode ser mais eficazmente combatida através de uma política fiscal coerente, que desincentive os fogos devolutos e o seu uso para outros fins.

Por outro lado, a demolição deve ser evitada, na medida do possível. Tal implica, antes de mais, a aposta em edifícios de boa qualidade arquitectónica já que só esses justificam a reabilitação e a sucessiva adaptação a novas funções. Os novos edifícios devem ser construídos com recurso a técnicas e materiais que facilitem a adaptação e a reutilização. Quando essa preocupação não se verifica, como é prática corrente, os edifícios são mais susceptíveis de ser total ou parcialmente demolidos, resultando no descarte de produtos tóxicos e no desperdício dos enormes consumos de energia que estiveram na sua origem.

Finalmente e sempre que possível, a nova construção deve aproveitar terrenos já impermeabilizados e/ ou servir para preencher os vazios urbanos, por forma a promover a continuidade das malhas existentes e garantir assim, cidades compactas e ruas interligadas, onde a combinação entre modos activos e transportes públicos é particularmente eficaz e o sentido de comunidade pode florescer.

Jorge Farelo e Rita Castel'Branco

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