Crescer até Rebentar? Os Limites ao Crescimento: A Crise Ecológica
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Crescer até Rebentar? Os Limites ao Crescimento: A Crise Ecológica

Crescer até Rebentar? Os Limites ao Crescimento: A Crise Ecológica

Começou uma nova época geológica: impulsionado pelo aumento contínuo de gases com efeito de estufa na atmosfera desde a revolução industrial, o Antropoceno está a substituir a relativa estabilidade do Holoceno. Apesar dos grandes acordos internacionais como o Protocolo de Kyoto ou o Acordo de Paris e das boas intenções manifestadas em todas as outras conferências climáticas das Nações Unidas, encontramo-nos perante alterações climáticas numa dimensão nunca experimentada pela humanidade que são acompanhadas pela rápida expansão da exploração dos recursos naturais e da destruição dos ecossistemas que sustentam os seres humanos e dos quais fazemos parte.

Utilizando uma abordagem baseada na área biologicamente produtiva necessária para absorver as emissões de carbono e gerar todos os recursos consumidos, a Global Footprint Network apurou que a pegada ecológica per capita está atualmente acima dos limites planetários em todos os continentes, menos em África. Mais, de acordo com dados da Oxfam, é apenas uma pequena elite global que é responsável pela maior parte das emissões: As emissões do 1% mais rico da população mundial correspondem a mais do dobro das emissões da metade mais pobre, e, ao mesmo tempo, os 10% mais ricos são responsáveis por mais de 50% das emissões. Ou dito doutro modo, a população dos Estados Unidos emite, em média, 14.5 tCO2 per capita por ano quando algumas populações de África subsariana têm um emissão de 0.2 tCO2 por pessoa / ano, sendo a pegada carbónica média do 1% do topo mais de 75 vezes superior à da metade da população mundial com menores emissões.

Focando sobretudo nas emissões de carbono e na crise climática, estas abordagens não incluem as outras vertentes da crise ecológica: a restante poluição atmosférica, a poluição de aquíferos, lagos, rios e oceanos, a poluição dos solos agrícolas e das zonas industriais, a presença de produtos radioativos, metais pesados e compostos químicos que podem funcionar como disruptores endócrinos, o lixo eletrónico e os plásticos e microplásticos, e, particularmente, a perda da biodiversidade.

O último Relatório de Avaliação Global da Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas em relação à Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES), publicado em 2019, realçou que a Natureza tem sido modificada de forma significativa pela intervenção humana, provocando um declínio da grande maioria dos indicadores dos ecossistemas e da biodiversidade e ameaçando mais espécies com a extinção global do que alguma vez no passado. De acordo com o IPBES, esta perda de biodiversidade representa um sério risco em relação à segurança alimentar. Além disso, as alterações do uso dos solos e a exploração dos ecossistemas marinhos também têm um efeito negativo sobre a Natureza que, por sua vez, é agravado pelas alterações climáticas, enquanto os incentivos económicos à atividade humana têm beneficiado as atividades nocivas em detrimento da conservação e restauração.

Abundam agora as propostas de pactos verdes, novos e menos novos, europeus ou não, para solucionar a crise. No entanto, o Gabinete Europeu do Ambiente analisou detalhadamente as possibilidades de dissociar o crescimento económico dos seus impactos ambientais e concluiu que é impossível atingir o “crescimento verde” dentro dos limites planetários. O Banco Mundial concluiu que a necessidade de produção de minerais, tais como grafite, lítio e cobalto, poderia aumentar em quase 500% até 2050, estimando que mais de 3 mil milhões de toneladas de minerais e metais seriam precisas para o desenvolvimento da energia eólica, solar e geotérmica, bem como o armazenamento de energia. As necessidades energéticas para atingir essa transição ultrapassariam a produção atual e aumentariam ainda mais os impactes ambientais desastrosos. E segundo dados publicados em 2022, as economias mundiais já consomem atualmente mais de 100 giga toneladas (Gt) de materiais por ano, na sua maioria minérios não-metálicos, metálicos e combustíveis fósseis, o que corresponde a quase quatro vezes mais que em 1972, ano da publicação do relatório “Os Limites ao Crescimento”. No últimos anos, de 2018 a 2020, a taxa de reciclagem e reutilização baixou de 9.1% para 8.6%, o que realça a insustentabilidade do uso dos recursos e a inverosimilhança da economia circular no sistema vigente.

Quando as narrativas da transição verde e sustentável são ilusórias e incongruentes, as zonas de sacrifício que este sistema requer já não se limitam a terras longínquas cujo nome mal sabemos pronunciar. O extrativismo e a mineração desenfreada estão a chegar ao interior de Portugal, ameaçando os sistemas biológicos, a produção alimentar e o modo de vida da população local. Embora a resistência se organize e as ações contra a mineração e em defesa da vidatentem fazer-se ouvir, as autorizações para a prospeção e a exploração são emitidas, mesmo que seja em cima do fim do prazo e com legalidade duvidosa.  Ao mesmo tempo, a agricultura super-intensiva devasta o Sul do país, nomeadamente perímetro de rega do Alqueva, enquanto Portugal é uma das zonas mais afetadas pelas alterações climáticas no que diz respeito a fenómenos atmosféricos extremos, redução da pluviosidade e seca que neste mês de fevereiro é severa ou extrema em mais de 90% do território nacional.

Estamos a viver em sociedades de complexidade elevada, caraterizadas pelos aumentos substanciais e contínuos da extensão e da intensidade das atividades humanas que provocam uma forte e crescente perturbação do sistema terrestre. A civilização humana, na sua expressão tecno-industrial moderna, representa um sistema termodinâmico não equilibrado que depende de esforço e de energia que é proveniente de combustíveis de alto teor energético, onde um barril de petróleo corresponde a 10.000 – 25.000 horas de trabalho humano. Globalmente, os combustíveis fósseis são responsáveis por aproximadamente 80% do consumo de energia primária, verificando-se um aumento anual contínuo em termos absolutos, apenas interrompido por crises económico-financeiras ou pandémicas, sendo os principais responsáveis pelas emissões de gases com efeito de estufa (GEE) que têm vindo a aumentar continuamente até ao início da pandemia de covid-19 em 2020.

De acordo com o Programa Ambiental das Nações Unidas, as promessas de contribuições nacionais (NDC na sigla inglesa) para reduzir as emissões que foram assumidas até agora são insuficientes e acabam por colocar o mundo a caminho de um aquecimento global de 2,7ºC até ao final do século, incompatível com a estabilidade climática. Quando seria necessário haver uma redução anual de 7,6% da emissão de GEE a nível mundial, mesmo durante o ano de 2020, com a atividade económica fortemente atingida pela pandemia de covid-19, a redução de emissões provenientes de fontes fósseis fora apenas de 5.4%, calculando-se ter havido um novo aumento de 4.9% já em 2021, devido à retoma económica, anulando quase na totalidade a – embora insuficiente – redução em 2020. E, possivelmente, a realidade ainda será pior que as previsões. A China já anunciou o aumento da produção de energia a partir de carvão com os centrais a trabalhar na sua máxima capacidade, tendo a mineração de carvão atingido novos recordes em 2021. Nos Estados Unidos, é a mineração de bitcoins com a sua avidez por energia elétrica que reanima as centrais a carvão prestes a serem desligadas.

Apesar de ser inegável que tenha havido uma maior cobertura noticiosa da crise climática, esta informação está repleta de notícias avulsas sobre ondas de calor, seca, incêndios e outros desastres ambientais, sem relacionar esses fenómenos com um sistema extrativista assente no crescimento exponencial e infinito. Assistimos a debates televisivos sobre as conclusões do Painel Intergovernamental sobre as Alterações climáticas (IPCC) que são interrompidos por diretos intermináveis sobre um qualquer assunto do momento como, por exemplo, a chegada de uma atleta medalhado ao aeroporto, sem nunca enquadrar as verdadeiras causas do problema. Faltam as perguntas diretas ao governo sobre o favorecimento de empresas altamente poluidoras o que é complementado com a inexistência de debates pré-eleitorais com foco na crise ecológica. Claramente, os órgãos de comunicação social hesitam de colocar o próprio sistema em causa e ficam limitados a incluir temas na agenda mediática que não abanam os alicerces da sociedade de consumo atual.

Perante todas as dimensões da crise ecológica, o sistema socioeconómico vigente tem-se vindo a mostrar incapaz de corrigir uma marcha aparentemente irreversível em direção ao colapso, e a lógica intrínseca do capitalismo industrial globalizado acaba por se revelar incompatível com a vida humana dentro dos limites planetários.

Afinal, já estaremos irremediavelmente para além dos Limites ao Crescimento e o colapso tornar-se-á inevitável? Ou ainda haverá algo a fazer para travar este destino e criar comunidades solidárias e conviviais que sejam capazes de se adaptarem às condições do Antropoceno, renunciando ao delírio das desastrosas práticas atuais, restaurando os ecossistemas, e redescobrindo formas de viver que não assentam nas supostas benesses do modernismo tecnológico?

Este artigo insere-se na série de eventos e artigos sobre “Os Limites ao Crescimento – 50 Anos depois: Crescer até Rebentar?”

Em 1972, o relatório ao Clube de Roma “Os Limites ao Crescimento”, compilado por uma equipa internacional de analistas de sistemas do MIT sob liderança de Donella Meadows, falecida em 2001, Dennis Meadows, Jørgen Randers e William Behrens III, analisou as interações entre cinco fatores básicos que contribuem para os problemas que as sociedades modernas enfrentam e que, em última análise, limitam o crescimento num planeta finito: população mundial, industrialização, poluição, produção alimentar e exaustão de recursos. Utilizando modelos informáticos sofisticados, os investigadores tentaram compreender a dinâmica da aceleração progressiva do desenvolvimento global, quer no que diz respeito ao declínio dos recursos naturais, quer em relação à poluição, analisando doze possíveis cenários. Concluíram que continuar como se nada fosse ( “business as usual”) provocaria o colapso dentro de cem anos. Contudo, também seria possível alterar esta previsão, estabelecendo políticas diferentes e podendo assim alcançar uma situação de estabilidade ecológica e económica que fosse sustentável no futuro. Ao mesmo tempo, este equilíbrio global poderia satisfazer as necessidades materiais básicas de cada ser humano, dando a todas as pessoas oportunidades iguais para realizarem o seu potencial. Na época, o apelo a uma discussão das conclusões do relatório por uma comunidade mais ampla, e nomeadamente fora do domínio científico, não fora ouvido e os defensores do capitalismo industrial contribuíram deliberadamente para a perceção pública errada de que o relatório tinha previsto o colapso num futuro próximo, e mesmo antes de 2000. No entanto, os dados empíricos recolhidos desde a publicação do relatório e das suas subsequentes atualizações confirmaram a validade do modelo.

Numa recente entrevista, conduzida por Richard Heinberg para a revista Resilence Dennis Meadows fala sobre o relatório original e a sua visão do futuro, realçando a vantagem de construir redes de pessoas, conviviais e frugais quando o colapso não atingirá todas as pessoas da mesma forma.

“Outra coisa que eu diria é que, independentemente do que acontecer nas próximas décadas, em cada momento há sempre uma oportunidade de fazer muitas coisas diferentes. Algumas delas irão melhorar a situação, e outras irão piorá-la. E é eticamente satisfatório, e provavelmente até eficaz de alguma forma, tentar encontrar as coisas que irão tornar as coisas melhores.”

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